O SAL DA VIDA
ELA
Ela está ali, ela me olha, me espreita com um poder que visa me surpreender. Sua inesgotável capacidade de encantar-me rapidamente se instala e permanece em um jogo sem palavras. Fiz votos para que isso não mais acontecesse, pelo menos com o vigor com que ela sustenta sua intenção e o abalo que isso me provoca. Finge que sou seu sol, ainda que eu não a ilumine; me sorri como se acolhesse a ternura que lhe oferto, sei que isso é uma mentira. Perco o rumo, altero o roteiro e acabo no desconcerto, inventando um encontro. Tento reinserir uma adaptação que me faça parecer natural e se apresente útil como uma saída. Repenso todas as tendências, disponho de uma vontade sempre insuficiente para ser suporte. Para seguir junto dela sem despertar suspeitas, grito toda a admiração, pronuncio toda decisão que persiste em mim – a vontade de tê-la perto. Arrasto meu desejo em sua direção. Meu gesto não é uma resposta, é uma reiterada intenção.
Sem nenhuma preocupação de ocultar, exponho o abalo que fico nesse falso lugar cada vez que ela apenas me olha. Ali se desfaz todo frágil equilíbrio, fica uma alusão que me possui. Acabados os prazeres inocentes, permaneço emocionado, respiro seu ar, ela é meu vício, seu olhar voa até amanhãs suas insinuações. Ela finca no meu futuro um consolo para meu arsenal de recursos.
Escritos do Eu
© 2018 Roberto Curi Hallal