Roberto Curi Hallal

ROBERTO CURI HALLAL

UMA OFENSA QUASE ESQUECIDA

Quando a última saudade desaparecer, as raízes serão expostas, o ciclo acabará. As dúvidas e as certezas estarão niveladas, e direi tudo o que pensei e não disse, sem maiores consequências. Propiciarei declarações, farei, de um modo íntimo e convicto, com que a escuta saiba que não guardo mais nada no fundo, que ali estará sendo tudo dito, que ali se acabam os significados, os símbolos, e que os afetos carregados como troféus e como cruzes ficarão ali depostos. Desvestirei meus sonhos, que darão uma dimensão de tudo que imaginei e almejei. A dura sensação da ausência de futuro será uma vitória sobre o tempo que já não precisará de domínios, ausentificado pelo momento que não será contínuo. Fechada esta ponte, já não terei acesso ao amanhã. Convocarei aqueles que tenham algo a dizer e partirei na experimental viagem sem respostas.

Que ânsia é essa que me impele a querer encontrar em ti tudo o que desejo? Se já sei onde todos os traços marcantes da beleza se refugiaram, por que acabo sempre não fazendo mais do que repetir o quanto me encanta; olhar-te desde a primeira vez. Reparo que, cada vez que debruças teu recato me despertas um desejo de viver infinito, transformado no que seja, pouco importa quando, nem como.

Aguardo um momento propício para salvaguardar o espanto que me causa o abuso de poder. Tento ajustar no foro íntimo uma tolerância esgotada que, insistente, pois ainda fecundas advertências. Não aprendi de memória se o que me confunde é não recuperar uma lembrança rarefeita ou o propositado esquecimento que colabora, borra, inutiliza o que eu penso como coisas minhas.

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Fracionário

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